terça-feira, maio 27

Crueldade + machismo

Não consigo entender porque minhas vizinhas brigam tanto com a Luana. Tão bonitinha e simpática ela, mas na histeria do cotidiano, dê-lhe grito. Ontem passei por ali e presenciei uma conversa inusitada:

"Ela tem tudo para aprender", dizia um senhor desconhecido com pose de sabe-tudo.
"Isso que tu é homem. Com nós não adianta", contestava a incrédula vizinha, revelando a herança de séculos de pensamentos machistas.

Só o homem com sua autoridade superior seria capaz de adestrar uma vira-lata preta ainda bebê. Pior é que estou quase concordando: um bando de mulheres enloquecidas, que despejam sua raiva sabe-se lá de que numa pobre cachorra é que, definitivamente, estão longe de conseguir essa façanha.

domingo, maio 25

Sem reservas

Acabo de assistir a Sem Reservas, comédia romântica tipo compensação por um final de semana de trabalho. E estou assustada. Não, nenhuma cena de terror ou suspense envolve a trama.

Uma chef (Catherine Zeta-Jones) bem conceituada de um restaurante sofisticado de Manhattan é surpreendida pela necessidade de cuidar a sobrinha (Abigail Breslin), depois da morte da irmã. Mais surpresa ainda com o sub-chef (Aaron Eckhart) contratado para ajudá-la e que subverte a ordem da sua impecável cozinha.



E o terror nisso tudo?

Primeiro, a sensação de já ter visto o filme e só depois me dar conta de que se trata de uma regravação de Simplesmente Martha (produção alemã de 2001), seguida da certeza de que a minha memória realmente está precisando de um reforço logístico.

Depois, a pergunta que me acompanhou durante todos os minutos do filme: "Por que ela contou a receita do molho de açafrão?!?". Pior só a sensação de que a cada mudança de cena o cozinheiro bon vivant seria descoberto com a dona do restaurante.

Ai, ai... melhor não comentar. Há comédias que podem ter mais função terapêutica do que um Godard.

Achei essa escrita interessante, sob a perspectiva do papel dos alimentos na história:
De Simplesmente Martha a Sem Reservas

sexta-feira, maio 23

Metade de feriado... feriado?

Enquanto meus quatro alunos sobreviventes escrevem suas notícias sobre a estréia da TV Unifra, eu divago sobre o abandono do blog, no meio desse feriadão interrompido pela obrigação do trabalho. Cá estamos: sexta-feira à noite, campus quase vazio, resquícios de vento norte em pleno veranico de maio.

Ô clima que confunde a cabeça da gente. Sensação de primavera - com ar de recomeço - quase às vésperas do inverno. Calor de 30 graus e tenho que olhar para o calendário e fazer contas: traçar novos planos, grade de horário, juras de acordar mais cedo e de rever prioridades.

Tchauzinho ao último feriado do ano e aquela certeza de muito trabalho pela frente. Simbora!

quinta-feira, maio 8

De relógios e celulares

"Piensa en esto: cuando te regalan un reloj te regalan un pequeño infierno florido, una cadena de rosas, un calabozo de aire. No te dan solamente un reloj, que los cumplas muy felices, y esperamos que te dure porque es de buena marca, suizo con ancora de rubíes; no te regalan solamente ese menudo picapedrero que te ataras a la muñeca y pasearas contigo. Te regalan -no lo saben, lo terrible es que no lo saben-, te regalan un nuevo pedazo fragil y precario de tí mismo, algo que es tuyo, pero no es tu cuerpo, que hay que atar a tu cuerpo con su correa como un bracito desesperado colgandose de tu muñeca. Te regalan la necesidad de darle cuerda para que siga siendo un reloj; te regalan la obsesión de atender a la hora exacta en las vitrinas de las joyerías, en el anuncio por la radio, en el servicio telefónico. Te regalan el miedo de perderlo, de que te lo roben, de que se caiga al suelo y se rompa. Te regalan su marca, y la seguridad de que es una marca mejor que las otras, te regalan la tendencia a comparar tu reloj con los demas relojes. No te regalan un reloj, tu eres el regalado, a tí te ofrecen para el cumpleaños del reloj."

O conto Preámbulo a las instrucciones para dar cuerda al reloj, de Julio Cortázar, é resgatado por García Canclini em um dos melhores verbetes de seu Lectores, espectadores e internautas (Gedisa, 2007).

A fala é sobre o conto pós-digital, mas serve para pensar sobre a necessidade de medir o tempo e a nossa relação com diferentes objetos usados para esse fim, até os relógios digitais integrados a telas que servem para muitas coisas.














A incorporação do relógio ao computador e ao celular faz aquele velho equipamento colocado em volta do pulso parecer meio estranho e obriga, como faz García Canclini, a repensar os preâmbulos em torno do próprio celular. Como diz o autor: "cuando te regalan un móvil, te regalan también la facilidad de iniciar conversaciones desde lugares remotos, la necesidad de estar pendientes de llamadas, la ansiedad por encender el móvil antes de salir del cine, cuando apenas pasan el final de la película, para saber que hay de nuevo...". Sem falar na necessidade de investimento mensal em créditos, na possibilidade de ser descoberto pelo chefe 24 horas por dia e por aí vai.
Num ditado bem contemporâneo lembrado na discussão dessa semana no Saia Justa: "Quando os celulares entram em promoção... é porque está chegando o dia das mães". Pobres mães! Melhor pensar muito bem antes de escolher o presente - ou quem vai ser presenteado.


** O livro de Néstor García Canclini é interessante, mas um pouco superficial. "Leitura de metrô", como definiu uma amiga minha. Vale pelos insights e pelo estilo ágil da escrita. Descobri na Feira do Livro de Santa Maria que já foi traduzido para o português (Editora Iluminuras, 2008).